O futebol brasileiro vive um paradoxo financeiro. Em 2024, os clubes da Série A alcançaram receitas históricas, ultrapassando a marca de R$ 10,2 bilhões. No entanto, esse crescimento expressivo vem acompanhado de custos e dívidas que desafiam a sustentabilidade do modelo. Um olhar aprofundado no relatório financeiro de 2024, publicado pela Convocados, Outfield e Galapagos Capital, revela um cenário que mistura esperança e incerteza.
Modelo SAF no futebol ainda não garante sucesso, diz relatório
Despesas crescem acima da inflação e pressionam clubes da Série A em 2024
Recorde histórico e desafios: receita dos clubes da Série A alcança R$ 10,2 bilhões em 2024
Receitas: recorde absoluto impulsionado pelas transferências e patrocínios
O motor desse crescimento foram as transferências de atletas, que renderam R$ 2,3 bilhões — um aumento de 36% em relação ao ano anterior. Os clubes seguem se beneficiando do mercado europeu, que busca talento em solo brasileiro para suprir suas necessidades esportivas e comerciais.
Outro fator importante foi o avanço dos contratos comerciais. Patrocínios e parcerias, em especial com casas de apostas, atingiram R$ 2,07 bilhões, um crescimento de 11% em relação a 2023. O aumento reflete a força da marca do futebol brasileiro, mas também expõe riscos regulatórios — afinal, esse mercado ainda carece de maior segurança jurídica.
As receitas de direitos de transmissão, principal pilar por décadas, mostraram estagnação, recuando 1% para R$ 3,264 bilhões. Esse dado liga um sinal de alerta para os clubes que continuam dependendo excessivamente dessa fonte.
Matchday — que inclui bilheteria e sócio-torcedor — avançou 7%, totalizando R$ 1,634 bilhão. Essa linha tem sido crucial para clubes com maior presença de público e bons programas de sócio-torcedor.
Despesas: crescimento preocupante e dívidas em alta
O outro lado da moeda é o aumento das despesas operacionais, que somaram R$ 7,8 bilhões em 2024 — alta de 6% frente a 2023, superando a variação das receitas recorrentes. Gastos com salários e encargos seguem sendo o principal peso, representando 50% das receitas em média.
Além disso, as despesas financeiras chegaram a R$ 1,2 bilhão, representando 11% de toda a receita gerada. Juros elevados, câmbio desfavorável e dívidas antigas são os principais vilões.
Dentre os clubes, apenas o Botafogo — com dados ainda estimados — conseguiu reduzir custos em 2024. Todos os demais registraram aumentos, com destaque para São Paulo e Corinthians, que viram suas despesas crescerem 16% e 11%, respectivamente.
A concentração de receitas e a desigualdade competitiva
A concentração de receitas ainda é gritante: Flamengo, Palmeiras e Corinthians juntos somam 35% de toda a receita da liga. Essa diferença amplia o fosso competitivo e limita a capacidade de outros clubes de acompanharem o ritmo — especialmente em um cenário de custos crescentes.
A tabela a seguir resume a saúde financeira dos clubes, com dados de receitas, despesas, custos com pessoal e dívidas totais:
Clube | Receitas (R$ mi) | Despesas (R$ mi) | Custo com Pessoal (R$ mi) | Dívida Total (R$ bi) |
---|---|---|---|---|
Flamengo | 1.287 | 931 | 605 | 0,5 |
Corinthians | 1.120 | 747 | 429 | 2,1 |
São Paulo | 732 | 699 | 452 | 1,5 |
Palmeiras | 1.128 | 653 | 424 | 0,4 |
Fluminense | 684 | 551 | 378 | 1,2 |
Atlético MG | 607 | 452 | 314 | 3,8 |
Botafogo | 540 | 425 | 290 | 2,2 |
Grêmio | 490 | 408 | 305 | 1,1 |
Internacional | 517 | 391 | 274 | 1,9 |
RB Bragantino | 504 | 341 | 251 | 0,2 |
Bahia | 298 | 339 | 186 | 0,3 |
Cruzeiro | 372 | 338 | 338 | 3,1 |
Vasco | 408 | 337 | 234 | 2,1 |
Athletico | 497 | 321 | 497 | 0,7 |
Fortaleza | 269 | 291 | 269 | 0,7 |
Vitória | 186 | 163 | 163 | 1,0 |
Cuiabá | 224 | 132 | 132 | 0,2 |
Atlético GO | 110 | 101 | 101 | 0,1 |
Criciúma | 101 | 98 | 98 | 0,1 |
Juventude | 135 | 90 | 90 | 0,0 |
SAFs x Associações: modelo não é solução mágica
O relatório também dedicou espaço para comparar SAFs e associações. As SAFs tiveram crescimento de receita 20% maior em 2024, puxadas por investimentos iniciais de reestruturação. Clubes como Bahia, Cruzeiro e Botafogo colhem frutos desse modelo — mas ainda carregam dívidas altas herdadas do passado.
Já as associações seguem ritmo mais lento, mas com maior controle orçamentário em alguns casos. A mensagem do estudo é clara: o modelo societário não garante sucesso por si só. Gestão e adaptação ao mercado são o que realmente importam.
Dívidas: um fardo que ameaça o futuro
Ao final de 2024, a dívida total consolidada dos clubes da Série A ultrapassou R$ 14,6 bilhões. Um crescimento que preocupa, especialmente para aqueles com receitas instáveis e resultados esportivos aquém do esperado.
A tabela mostra que Corinthians, Atlético MG e Cruzeiro são os mais endividados, com dívidas acima de R$ 2 bilhões. Por outro lado, Flamengo e Palmeiras têm dívidas mais controladas e equilibradas com sua capacidade de geração de caixa.
Conclusão: crescimento que precisa de gestão
O relatório de 2024 traça um panorama de um futebol brasileiro que fatura como nunca, mas gasta como sempre — e, muitas vezes, além da conta. Gastar mais não significa automaticamente melhor desempenho esportivo, como mostram casos como São Paulo e Vasco. Ao mesmo tempo, clubes como Fortaleza e Botafogo, mesmo com orçamentos menores, conseguiram resultados competitivos graças a gestão eficiente.
O futuro, segundo o relatório, passa por três fatores centrais: responsabilidade na gestão, profissionalismo nos bastidores e capacidade de gerar receitas recorrentes. O dinheiro no futebol brasileiro aumentou, mas o alerta está dado: sem uma mudança cultural e estrutural, o risco é de repetir erros do passado — e comprometer o futuro de uma paixão nacional.