A Relação entre Esporte e Política: Regimes autoritários e o futebol

A frase “esporte e política não se misturam” é repetida com frequência, mas a realidade histórica mostra exatamente o contrário. Desde o século XX, diversos regimes autoritários utilizaram o esporte como ferramenta de propaganda, mobilização popular e fortalecimento de ideologias. Casos como o da Alemanha nazista e da Itália fascista são emblemáticos no uso do esporte, especialmente o futebol, como instrumento político.


Alemanha nazista: os Jogos Olímpicos como vitrine de poder

Na Alemanha de Adolf Hitler, o esporte foi usado como forma de promover a imagem de força do regime. Sob o comando de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda nazista, os Jogos Olímpicos de Berlim em 1936 se tornaram uma vitrine da ideologia nazista para o mundo. As competições foram usadas como um espetáculo midiático para projetar a superioridade do regime — e a conexão entre esporte e política ficou ainda mais evidente.


Itália de Mussolini: o futebol como estratégia de domínio

Na Itália fascista, Benito Mussolini também explorou o potencial do futebol como ferramenta de propaganda. Mesmo não sendo um entusiasta do esporte, o ditador percebeu seu poder de mobilização popular e decidiu intervir diretamente. Quando o futebol começou a ganhar popularidade no país, na década de 1920, Mussolini enxergou a oportunidade de associar o regime ao sucesso esportivo.

Crise no futebol e intervenção estatal

Na época, o futebol italiano vivia um momento de desorganização, com competições divididas entre ligas do norte e do sul. Em 1926, o regime reorganizou o campeonato nacional, criou duas divisões e implementou novas regras — entre elas, a proibição de jogadores estrangeiros, exceto os de origem italiana, que podiam ser naturalizados.


Criação de clubes e construção de estádios sob influência fascista

O governo passou a investir pesado no fortalecimento do futebol nas principais cidades italianas, como Roma, Nápoles e Florença. Diversas fusões de pequenos clubes foram promovidas para formar times mais fortes e representativos, como a criação da Fiorentina e da AS Roma. A Lazio, por sua vez, permaneceu independente por ter ligações diretas com o regime — seu presidente era um general fascista.

Entre 1932 e 1934, vários estádios foram construídos ou ampliados com financiamento estatal, como parte da preparação para receber a Copa do Mundo de 1934, uma conquista política para Mussolini em meio à crise econômica global.


Copa do Mundo de 1934: vitrine do fascismo

A Itália foi escolhida como sede da Copa do Mundo de 1934, ano que marcava os 10 anos da ascensão do regime fascista ao poder. O torneio foi planejado para ser mais do que uma competição esportiva — era um evento estratégico para exibir a força e a organização do governo.

Para garantir o sucesso em campo, jogadores sul-americanos com ascendência italiana foram naturalizados, como o brasileiro Guarisi e os argentinos Raimundo Orsi, Enrique Guaita e De Maria. O plano deu certo: a Itália venceu o torneio em casa e repetiu o feito em 1938, conquistando o bicampeonato mundial.


Discurso racial e repressão aos clubes menores

O regime também deixou marcas racistas no futebol. Após a vitória contra o Brasil na semifinal de 1938, a imprensa italiana celebrou a “inteligência tática” da Itália contra a “força bruta dos negros”, em referência aos atletas brasileiros.

Mussolini priorizou a formação de grandes clubes nas capitais e sufocou os times tradicionais do interior, como o Pro Vercelli, que dominava o futebol antes da ascensão do fascismo. A transferência de jogadores para clubes ligados ao regime, como a Lazio, foi incentivada para fortalecer as equipes que serviam à propaganda do Estado.


Legado político no futebol italiano

Até hoje, a Lazio carrega resquícios dessa ligação com o fascismo. Parte de sua torcida ainda é associada a ideologias extremistas, utilizando símbolos, bandeiras e cânticos que remetem ao período autoritário.


Esporte e política: uma relação inseparável

A história mostra que o esporte nunca esteve isolado da política. Pelo contrário: regimes autoritários souberam usar o futebol, os Jogos Olímpicos e outras competições como instrumentos para legitimar o poder, silenciar críticas e construir mitos nacionais.

No fim das contas, entender como política e esporte se entrelaçam é essencial para analisar o papel social do futebol e outros esportes em diferentes contextos históricos.

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