A geopolítica do esporte entrou de vez no tênis. Com aportes bilionários, a Arábia Saudita avança para transformar o circuito profissional, assumir eventos estratégicos e alterar o equilíbrio de poder entre ATP, WTA e os organizadores tradicionais. O movimento, liderado pelo Fundo de Investimento Público (PIF), promete mudar o calendário global, elevar premiações e reposicionar a elite do tênis, mas também acende alertas sobre governança, influência política e o futuro das competições.
A ofensiva saudita sobre ATP e WTA
Tudo ganhou força em 2024. Em fevereiro, o PIF firmou uma parceria de longo prazo com a ATP, tornando-se o parceiro oficial do ranking masculino. A presença saudita também passou a ser vista em torneios de elite, como Indian Wells, Miami, Madri e Pequim.
Poucos meses depois, em maio, a WTA seguiu o mesmo caminho. O PIF se tornou o primeiro parceiro de naming rights do ranking feminino, ampliando a influência saudita nas duas principais entidades do tênis.
Esse avanço não se limita ao patrocínio. A Arábia Saudita já garantiu o Next Gen ATP Finals em Jeddah até 2027. Além disso, Riad sediará o WTA Finals pelos próximos três anos. A mudança promete premiação histórica: alta de 70%, chegando a 15,25 milhões de dólares.
Um novo Masters 1000 muda o calendário
A ambição saudita, no entanto, vai além das parcerias institucionais. O país prepara seu movimento mais ousado: criar um Masters 1000 em 2028. Será a primeira expansão na categoria em 35 anos. A proposta busca colocar um grande evento no início da temporada, antes do Australian Open.
Segundo apurações internacionais, houve até uma oferta de 2 bilhões de dólares para reorganizar e unificar partes dos circuitos masculino e feminino. A intenção seria formar um calendário mais centralizado e com maior controle sobre os principais atletas.
Quem manda no tênis hoje
A estrutura de poder no tênis é fragmentada. Os Grand Slams são independentes e pertencem às federações nacionais da Austrália, França, Reino Unido e Estados Unidos. Outros torneios relevantes têm donos variados. O Rio Open, por exemplo, pertence à IMM, controlada pela Mubadala Capital, fundo soberano de Abu Dhabi. Já a IMG administra eventos como o Masters 1000 de Madri.
Nesse cenário, ATP e WTA funcionam como entidades reguladoras e associações de jogadores. A entrada do PIF altera a balança. Com recursos muito acima da média do setor, o fundo saudita abre caminho para centralizar decisões e, possivelmente, fortalecer a ideia de um “Premium Tour”, circuito com número reduzido de torneios e maior foco nos principais atletas do mundo.
Reações e críticas crescentes
A expansão, porém, não avança sem resistência. Ícones do esporte, como Martina Navratilova e Chris Evert, criticam abertamente a parceria. Elas apontam preocupações relacionadas aos direitos humanos, especialmente envolvendo mulheres e a comunidade LGBTQIAP+. As críticas reforçam o alerta de que a iniciativa seria um caso evidente de sportswashing, estratégia usada para melhorar a reputação internacional do país.
Apesar das polêmicas, a direção da ATP vê o acordo como um marco positivo. O CEO, Massimo Calvelli, afirma que a parceria simboliza um “grande momento para o tênis” e abre portas para inovação e crescimento econômico.
Um futuro próspero, mas incerto
O investimento saudita provoca simultaneamente entusiasmo e desconfiança. De um lado, surgem premiações maiores, mais visibilidade e infraestruturas modernas. De outro, aumenta o receio sobre uma centralização excessiva de poder e as implicações éticas de permitir que um fundo soberano influencie os rumos do esporte.
A próxima década dirá se esse novo ciclo será lembrado como um período de avanço estrutural ou como uma ruptura que alterou valores fundamentais do tênis. Por enquanto, a única certeza é que o esporte vive sua maior transformação em décadas — e que a Arábia Saudita está no centro dela.
